Lembro dos meus 14 anos, quando tínhamos a oportunidade de estudar no SENAI durante as férias escolares. Era uma chance oferecida principalmente para filhos de trabalhadores metalúrgicos. Íamos ao SENAI do Brás, onde além de aprender ofícios técnicos que nos ajudava num futuro profissional. Essas formações rápidas e práticas ofereciam aos jovens a possibilidade de ingressar como aprendizes nas fábricas, além de permitir a continuidade dos estudos no ginasial e, posteriormente, no colegial, acompanhados de cursos técnicos como torneiro mecânico, eletricista, inspetor de qualidade, entre outros.
Mas o mundo mudou muito desde então. Passamos por uma revolução no mercado de trabalho que afetou profundamente a formação e o preparo das novas gerações. As tecnologias digitais trouxeram soluções para diversas áreas da vida, mas também complicaram o papel da escola. O impacto dessas tecnologias redefiniu a relação dos jovens com o mundo e forçou uma reconfiguração rápida do mercado de trabalho para atender os anseios das novas gerações. No entanto, enquanto o mundo se transformava, a escola ficou para trás em muitos aspectos, ainda que tenha avançado em áreas como as humanidades e até proporcionou a sua universalização em quase todos os terrtórios do país. Mas a grande questão é: o que a escola realmente tem oferecido às novas gerações?
A sociedade tem percebido que os adolescentes estão cada vez mais desinteressados na escola. Não é de hoje que o ensino médio, em particular, tem deixado de encantar os estudantes. Nesta etapa crucial da vida, em que os jovens estão cheios de sonhos e dúvidas sobre o futuro, é quando a escola deveria capturar suas esperanças e dar alento às suas visões de mundo. No entanto, uma máxima que circula no mercado de trabalho é que os jovens não estão preparados para os desafios de hoje. Muitos têm dificuldade com leitura, escrita e raciocínio matemático, o que, segundo essa visão, exigiria um treinamento adicional até mesmo para integrar o uso de tecnologias e novas competências como comunicação, trabalhar em equipe, entre outras, visto como um custo pelas empresas. Para essas, é mais lucrativo substituir trabalhadores por máquinas ou contratar jovens aprendizes ou temporários, especialmente após as recentes reformas trabalhistas. Aliás as recentes reformas trouxeram um novo de trabalhador. O empreendedor, o trabalho autonomo. Trouxe junto a uberização do trabalho acelerado com a pandemia recente.
Essa narrativa de que os jovens são responsáveis por não estarem trabalhando ou estudando – os chamados "nem-nem" – é simplista e injusta. A iniciativa privada e até governos, se apaixonou pelos processos de inovação que produzem mais com menos mão de obra, em nome da eficiência. Mas, ao mesmo tempo, deixaram um exército de jovens criativos e dispostos a contribuir, à margem, pelo fato de não estarem preparados.
Para os especialistas em economia que falam sobre as milhões de oportunidades que o futuro reserva, fica a pergunta: qual é o papel de vocês na preparação desses jovens para ocupar essas vagas promissoras? Para os governos, uma reflexão necessária: que tipo de educação está sendo oferecida para explorar os desejos e as potencialidades das juventudes, em um tempo que exige muito mais do que o simples "mais do mesmo"?
A escola precisa urgentemente se repensar e se reconectar com as realidades e aspirações dos jovens, caso contrário, continuaremos a ver gerações desinteressadas e desconectadas de um futuro que, ironicamente, promete ser cheio de oportunidades.
Para saber mais:
Estudo recente da ONU sobre Nem-Nem no mundo (acesse)
Plataforma Atlas das Juventudes. (acesse)
Competência do Século XXI (acesse)
Uberização do trabalho (acesse)
Foto: Free Pix (acesse)
Escrito por Carlos Lima: Educomunicador e professor
Ótima reflexão, Carlos!
ResponderExcluirMeu pai possui uma formação técnica no SENAI e, hoje em dia, é autônomo. Desde cedo, ele sempre buscou me orientar sobre a importância do estudo e de perseguir as oportunidades. Mas, ainda que eu tenha crescido em um contexto menos desfavorável do que o usual, é inegável que o acesso à essas conjunturas basilares para o desenvolvimento do jovem – quando elas existem, o que também é raro – é dificultado no Brasil. A geração "nem-nem" não é fruto de planos de carreira individuais, mas sim de uma sociedade com esferas mais despreparadas que as outras. E como você bem pontuou: se a base de tudo é a Educação, é elementar que a mudança comece por lá.
Meus parabéns!
Excelente, Carlos. Isso mesmo. Bom comentário da Ayla também. Eu diria que na base de tudo isso está o descaso com a formação e o apoio aos professores - a inicial e a continuada. Principalmente quanto à prática, à metodologia que deveria ser PARTICIPATIVA, com escuta aos jovens e projetos locais!
ResponderExcluir