domingo, 26 de janeiro de 2025

História de escola: A Toalha Branca


Lembro como se fosse ontem a história do Robert. Ele era um adolescente negro, morador de uma comunidade simples ao lado de um shopping que simbolizava o consumo da nova classe média alta. Toda vez que tentava entrar no shopping, os seguranças o barravam. Era como se aquelas portas automáticas se fechassem só para ele. Na escola, era o tipo de aluno que intimidava professores e colegas. Dava trabalho, falava alto, tinha aquele olhar que desafiava o mundo.

Um dia, ao sair da escola, viu um grupo de estudantes subindo no ônibus em frente ao portão. Era uma turma do Imprensa Jovem que ia para uma cobertura em um bairro nobre. Robert não fazia parte do projeto, mas decidiu que queria ir. Quando os professores tentaram explicar que ele não estava autorizado, ele foi enfático:
— Se eu não puder ir, ninguém vai.

A turma olhou para a professora, que hesitou por um momento. Um dos alunos comentou:
— Traz o Robert, tem lugar aqui.
Outro rebateu:
— Mas ele vai dar trabalho.

A professora respirou fundo e disse:
— Está na minha responsabilidade. Vamos, Robert.

E assim, lá foi ele. No ônibus, estava quieto, observando tudo. Quando chegaram ao local do evento, era como outro mundo. O espaço era sofisticado, cheio de pessoas que pareciam ter vindo de outros países, discutindo sobre conectividade e educação. Era o tipo de lugar que fazia Robert pensar nas portas do shopping que nunca se abriram para ele.

Mas, naquele dia, ele foi recebido como convidado. Um colega emprestou uma camiseta laranja do projeto e disse:
— Você vai cobrir o evento comigo. Vamos conversar com essas pessoas.

Robert mergulhou na experiência. Entrevistou gente que ele jamais imaginou conhecer, viu os flashes das câmeras, anotou tudo num caderninho. E, quando chegou a hora do almoço, foi convidado a se sentar com todos os outros. Olhou para os lados, meio desconfiado, mas se serviu.

Depois de comer, levantou-se e foi ao banheiro. Lá, ao lavar as mãos, ficou parado diante do espelho, observando a torneira automática. Então, um homem se aproximou, provavelmente um dos palestrantes ou organizadores. Robert olhou para ele e perguntou:
— Como seca as mãos aqui?

O homem, com um sorriso simpático, mostrou como usar a máquina. Robert colocou as mãos molhadas embaixo do dispensador, que liberou automaticamente uma toalha branca, macia. Ele ficou ali, parado, olhando para a toalha como se fosse algo mágico. A toalha branca desceu para ele, sem julgamento, sem barreiras, sem desconfiança.

Quando voltou para o grupo, estava pensativo. A professora percebeu e perguntou:
— Está tudo bem, Robert? Você está tão quieto.
— Nada não — respondeu ele.

A atividade foi um sucesso. A organização do evento elogiou o comportamento e a dedicação do grupo. Dias depois, algo mudou em Robert. Ele passou a participar mais das aulas, ajudava a resolver conflitos e até se tornou uma referência para os colegas.

Num momento de conversa, confessou à professora:
— Nunca tive uma experiência como essa. Fui tratado como gente. Ninguém me olhou torto. Todos me trataram com educação. Nunca vou esquecer da toalha branca. Foi incrível. Aquele homem... parecia importante, e ele me mostrou como usar a máquina.

A toalha branca que desceu nas mãos de Robert foi mais do que um gesto simples. Foi um símbolo de acolhimento, respeito e dignidade. E, naquele dia, algo se abriu para ele. Não as portas do shopping, mas as portas de um mundo onde ele finalmente sentiu que tinha lugar.

Por Carlos Lima: Educomunicador e professor

Baseado em fatos reais (2009)

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