domingo, 4 de maio de 2025

Quase um dízimo da população não acredita em mudanças climáticas

Retirante: Obra de Candido Portinari, 1944

A obra Retirantes (1944), de Candido Portinari, nos confronta com a dor da desigualdade e do abandono, retratando famílias que fogem da seca e da miséria em busca de sobrevivência. Aquela imagem de corpos magros, olhos fundos e pés calejados fala diretamente ao tema das emergências climáticas de hoje. Assim como os retirantes do passado, milhões de pessoas nas periferias urbanas e zonas rurais do Brasil continuam sendo as mais atingidas pelas mudanças no clima. São os que menos contribuem para a degradação ambiental, mas que mais sofrem com enchentes, secas e ondas de calor. Portinari pintou a realidade de seu tempo, mas sua obra segue atual — pois a injustiça climática é, antes de tudo, uma injustiça social. Educar para a emergência climática é, portanto, também educar para a justiça e para o cuidado com os que, historicamente, têm sido deixados para trás.

Apesar de enfrentarmos diariamente os efeitos das mudanças no clima, 9% da população brasileira ainda não acredita na existência das mudanças climáticas — muito menos na emergência climática que vivemos. É um dado alarmante, revelado por pesquisa do Datafolha. Em 2024, esse índice era de 5%, o que mostra um crescimento preocupante da desinformação ou da negação desse fenômeno. Acesse

Lembro-me de quando era criança e as estações do ano seguiam seu curso natural. Verão, outono, inverno e primavera vinham em sua ordem, com clima e características bem definidas. Preparávamo-nos para cada uma delas. Hoje, tudo parece fora de lugar. Assim como os animais, as estações também estão em extinção. A desorganização climática é evidente, mas não para todos.

Por que tanta gente não vê o óbvio? Muitas vezes, essa negação é alimentada por discursos ideológicos que classificam o debate climático como “coisa de comunista” ou pauta “progressista”. Triste é perceber que essas ideias ganham força justamente entre aqueles que mais sofrem com as consequências do desequilíbrio climático: as populações periféricas, as regiões vulneráveis, os pobres. Para alguns, tudo isso pode parecer castigo divino. Afinal, dizem que o apocalipse virá com fogo, já que o primeiro foi com água — o dilúvio.

Mas o problema é real e visível. A ciência mostra isso com dados, estudos, alertas. O mundo, criado com perfeição, não está sendo destruído por Deus, mas pelas ações humanas. Está nas mãos da humanidade reverter esse quadro — ou agravá-lo. E aqui entra um ponto essencial: precisamos educar para a compreensão da emergência climática. Trata-se de um desafio cultural, não apenas ambiental.

Os adolescentes podem — e devem — estar na linha de frente desse processo. Eles têm capacidade de análise, criatividade e vontade de transformar a realidade. Contudo, nem sempre são levados a sério, nem mesmo por adultos conscientes da crise ambiental. E se perguntássemos aos jovens sobre mudanças climáticas? Será que o índice de negação seria o mesmo entre eles? Quantos adolescentes de 12 a 18 anos vivem no Brasil? Quantos estão na escola? Quantos votam? Talvez estivéssemos diante de outro cenário de entendimento.

Projeto Juntos pelo Clima - Apresentado no curso Esudante Mediador dos ODS 


Preparar essa nova geração para lidar com o presente e pensar o futuro é missão da escola. E temos ferramentas para isso. Um exemplo é o projeto Estudante Mediador dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), desenvolvido pela UNESCO em parceria com o Programa Imprensa Jovem, que formou grupos de adolescentes em cerca de 300 escolas entre 2020 e 2024 para criarem ações de intervenção social em suas comunidades.

Já em seu primeiro ano, o projeto foi reconhecido mundialmente com o prêmio da Aliança Global para Mídia e Informação da UNESCO, durante a pandemia da Covid-19. Hoje, o foco é mobilizar os estudantes para atuar na mitigação das emergências climáticas.

O curso Imprensa Jovem – Estudante Mediador dos ODS, promovido pelo Núcleo de Educomunicação da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, contempla várias ações que valorizam a voz e as ideias dos estudantes:

  • Cápsula do Futuro: campanha audiovisual para redes sociais, produzida por estudantes das agências de notícias escolares;

  • Conexão Estudante Mediador dos ODS: superaulão com participação de 400 estudantes, especialistas e organizações no CEU;

  • Cursos para professores: como “Educomunicação Socioambiental – Precisamos conversar sobre as emergências climáticas”;

  • Programa “Imprensa Jovem no Ar”: veiculado na TV Cultura, com produção estudantil sobre o ODS 13;

  • Podcast “PodConversar”: com temas como hortas e sustentabilidade, em diálogo com especialistas;

  • COM-VIDA: encontros de gremistas e educomunicadores para debater ações climáticas nas escolas.

  • Comissão do Futuro: encontro que promove a troca de propostas desenvolvido pela EMEF Paulo Duarte. Projeto foi apresentado no Summit of Future em Nova Iorque em 2024

  • Agência de notícias do Clima: Produção de conteúdos pelos estudantes por meio de reportagens sobre problemas relacioanado as emergências climáticas no território. O projeto é desenvolvido pela EMEFM Rubens Paiva 

É papel da escola — e da educação como um todo — criar espaços reais de escuta, diálogo e ação para crianças e adolescentes. A Educomunicação mostra que é possível construir um movimento potente e transformador, como foi o caso do projeto #estudantemvoz, que envolveu estudantes na construção do Currículo da Cidade de São Paulo.

Se queremos um futuro melhor, precisamos confiar, formar e dialogar com quem vai estar à frente dele. E já estão prontos para isso.

Por Carlos Lima - Educomunicador e professor

Imagem :  Reprodução MASP

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