terça-feira, 22 de julho de 2025

Como tornar o projeto de Educomunicação uma ação política sustentável?


Durante uma missão formativa realizada para o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) com apoio da Associação  Comunitária de Moradores da Serra Negra, conduzi uma oficina de Educomunicação voltada para jovens moradores de comunidades do entorno do Parque Nacional do Itatiaia. O principal objetivo foi oferecer ferramentas e conhecimentos para a criação de uma agência de notícias estudantil, com foco em promover uma relação mais próxima, afetiva e consciente entre a comunidade local e o parque.

Ao longo dos anos, foi perceptível que, após a criação do parque e sua administração por órgãos federais, parte da população passou a se sentir excluída de seu próprio território. O espaço que antes era local de convivência, memória e construção de laços afetivos — onde muitas famílias se formaram, crianças cresceram e a cultura local floresceu — passou a ser percebido como inacessível. Nesse cenário, a Educomunicação surge como um caminho possível para resgatar esses vínculos, ampliar o sentimento de pertencimento e valorizar o papel do parque como um bem comum.

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O Parque Nacional do Itatiaia, o primeiro criado no Brasil, está localizado na Serra da Mantiqueira e abrange áreas do Rio de Janeiro e do sul de Minas Gerais. Sua preservação é estratégica para a sustentabilidade ambiental da região. Entretanto, integrar a população local a esse processo é essencial. A criação de uma agência de notícias estudantil, nesse contexto, pode também fomentar o turismo responsável, o empreendedorismo comunitário e a valorização cultural, tornando-se um importante canal de comunicação sobre o uso consciente do parque e a vivência nas comunidades do entorno.

Caminhos para transformar a Educomunicação em política pública

1. Diagnóstico participativo:
O primeiro passo é alinhar o projeto às necessidades reais do território. Projetos de Educomunicação podem ser apenas formativos, mas para que tenham impacto estrutural e duradouro, precisam responder a demandas concretas da comunidade. Ouvir, mapear e compreender essas necessidades é essencial para que o projeto tenha relevância e enraizamento.

2. Parcerias estratégicas:
Contar com um parceiro institucional com legitimidade no território fortalece a governança. No exemplo citado, o ICMBio tem papel fundamental tanto no apoio como na articulação com demais atores. Ter esse tipo de aliança agrega valor, credibilidade e viabilidade à proposta.

3. Formação de grupo engajado:
A sustentabilidade do projeto depende da formação de um coletivo comprometido com suas metas e valores. Esse grupo precisa estar disposto a assumir responsabilidades, dividir tarefas conforme suas competências e atuar de forma ética e colaborativa. O protagonismo local é o que garantirá a continuidade das ações.

4. Formação inicial e continuada:
O processo formativo deve ser contínuo. A formação inicial desperta o interesse e revela os talentos. Já a formação continuada aprofunda os conhecimentos, qualifica as produções e mantém o grupo ativo e engajado.

5. Relação com a comunidade:
A construção de uma relação sólida com a comunidade local permite levantar temas de interesse coletivo que, por sua vez, alimentam as pautas das produções jornalísticas. A agência deve ser um reflexo do território, com linguagem, cultura e identidade próprias.

6. Protagonismo juvenil e liberdade criativa:
Mesmo sendo uma comunicação comunitária, a agência de notícias deve ser pensada como espaço de juventudes, com liberdade para experimentar formatos, temas e linguagens. O processo precisa ser construído com os jovens — e não para eles. A escuta ativa e o respeito à voz juvenil são fundamentais.

7. Produção prática e atrativa:
Atividades práticas que dialogam com as referências midiáticas que os jovens já consomem facilitam o engajamento. Validar ideias, testar formatos e explorar a criatividade tornam a agência um lugar de aprendizado e expressão.

8. Gestão pedagógica:
Mais do que uma ação comunicativa, a agência é um espaço educativo. É uma escola de cidadania, onde se aprende a pesquisar, escrever, comunicar, usar tecnologias, refletir criticamente e atuar no mundo.

9. Infraestrutura mínima:
Para viabilizar a produção midiática, é essencial oferecer uma estrutura mínima: equipamentos, acesso à internet, espaço físico adequado. Pode ser uma sala de informática, biblioteca, centro comunitário ou uma sala adaptada em órgão público.

10. Mobilidade para coberturas:
Garantir meios para que os jovens realizem coberturas externas, entrevistas e reportagens amplia o alcance do projeto e fortalece seu papel como serviço de utilidade pública.

11. Sustentabilidade econômica:
A agência pode atuar como um projeto de desenvolvimento local. Combinando ações voluntárias e parcerias institucionais, é possível viabilizar bolsas, apoios e remunerações pontuais para garantir continuidade e engajamento.

12. Construção coletiva:
O desenho do projeto deve ser sempre coletivo. A participação ativa dos envolvidos — jovens, lideranças, escolas, organizações — é a chave para que o projeto represente de fato os anseios e sonhos do território.

Participantes da formação Agência de Notícias 

Transformar uma ação educomunicativa em política pública sustentável exige visão estratégica, escuta ativa, alianças sólidas e compromisso com a formação cidadã. No caso do Parque Nacional do Itatiaia, a criação de uma agência de notícias estudantil é mais que uma ação de comunicação: é uma ponte entre o passado afetivo, o presente participativo e o futuro sustentável da região.

Por Carlos Lima : Educomunicador e professor
Foto: Registros da oficina de Educomunicação Criar Agências de Notícias 



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